É oficial: a razão perdeu. De joelhos, a lógica e o bom senso observam estupefatos uma multidão de brasileiros enviando Pix para políticos como se estivessem financiando um projeto de vida ou salvando a humanidade de um apocalipse. O mais recente exemplo? A deputada federal Carla Zambelli, que agora também entrou na fila das vaquinhas patrióticas. Antes dela, o ex-presidente Jair Bolsonaro já havia passado o chapéu virtual. Mas a prática não é exclusividade da direita.
Do outro lado do espectro, figuras como Jean Wyllys e Manuela D’Ávila também já recorreram a campanhas de arrecadação para custear projetos, segurança pessoal ou iniciativas políticas. Ou seja, não importa o partido: virou quase tradição.
Esse tipo de pedido é apenas mais um sintoma de uma doença social silenciosa e crescente: a idolatria política que deságua em vaquinhas milionárias para figuras públicas já sustentadas com o suor coletivo.
Políticos, vale lembrar, não são missionários. São servidores — ou ao menos deveriam ser. Recebem salários generosos, auxílio-moradia, verba de gabinete, passagens, planos de saúde e, em muitos casos, aposentadorias precoces. Alguns ainda embolsam jetons por participações em conselhos. Vivem cercados de assessores, advogados, seguranças e bajuladores pagos pelo povo. E ainda assim, muitos deles estendem a mão em público como se fossem vítimas do sistema — quando, na verdade, são parte privilegiada dele.
O problema não é só Zambelli ou Bolsonaro, Lula ou Janja, Ciro ou Michelle, Jean ou Manuela. O problema é o brasileiro abrir o aplicativo do banco para enviar R$ 13, R$ 22 ou R$ 100 achando que está financiando a “liberdade” ou “a democracia”, quando na prática está sustentando um projeto pessoal de poder ou, pior, bancando gastos que nada têm a ver com o interesse coletivo. O político se vitimiza, finge estar sendo perseguido, diz que não pode se defender sozinho — e o povo, cego de paixão, paga a conta. Como se não bastassem os impostos.
Essa relação de idolatria contaminou o debate público. O político virou pastor, guru, mártir. Não se pode questioná-lo, investigá-lo, muito menos cobrar. E assim nascem os Pix — como resposta ao inimigo imaginário, como escudo da “causa maior”, como oferenda ao salvador de ocasião. Mas ao final, o único sacrificado é o próprio cidadão que trabalha, paga impostos e ainda é convencido a fazer doações para quem já vive da máquina pública.
O mais perverso disso tudo é que o Pix desobriga o político de dar satisfações. O dinheiro não passa por controle institucional, não precisa seguir licitação, não tem transparência. Vai direto para o bolso. Pode servir para pagar advogado, hotel, reforma, carro ou férias no exterior — e ninguém pode reclamar. Afinal, foi uma “doação voluntária”.
Perdemos. Quando o povo, empobrecido e cansado, começa a transferir dinheiro para quem sempre teve tudo, algo está fora de lugar. Quando não conseguimos exigir de nossos líderes nem mesmo a dignidade de pagar por seus próprios erros, selamos nossa derrota cívica. Não é só sobre corrupção. É sobre submissão. É sobre um país que prefere o fanatismo ao juízo, a devoção ao discernimento, a carteirada ao mérito.
O Pix político é a selfie da decadência institucional. É o recibo da nossa cegueira coletiva. E enquanto isso, escolas continuam com goteiras, postos de saúde sem médicos, estradas esburacadas e famílias endividadas. Mas o político está de terno novo. Pago via Pix.
Comentário no JC1ª Edição:
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