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Geral Arte ou Pichação?

Desenhos em prédio abandonado da Meia Praia acendem debate e geram polêmica em Itapema

Construção inacabada na Meia Praia começou a ser utilizada para intervenções visuais sem autorização; moradores discutem entre arte e vandalismo.

09/05/2025 às 12h18 Atualizada em 09/05/2025 às 13h18
Por: Rádio Cidade
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Foto - Reprodução/Redes Sociais
Foto - Reprodução/Redes Sociais

Um prédio privado e abandonado há anos na Rua 220, no bairro Meia Praia, em Itapema, voltou a chamar a atenção da população e se tornou assunto em redes sociais, grupos de WhatsApp e nas rodas de "conversas de bar" do município. O imóvel de 12 andares em obras nunca foi finalizado, e agora é alvo de um debate que envolve arte urbana, poluição visual, riscos à segurança e invasão de propriedade.

Tudo começou em 2024, quando indivíduos passaram a utilizar as paredes externas do edifício para fazer pichações — sem qualquer tipo de autorização dos proprietários ou responsáveis pela obra. O caso, que até então passava despercebido por parte da população, ganhou destaque nos últimos dias após os mesmos autores, ou talvez um novo grupo, decidirem pintar com três cores os traços deixados pelas pichações. O ato foi flagrado por uma imagem que mostra três pessoas penduradas no prédio, durante o momento em que intervenham na pintura. O resultado visual tem sido interpretado por muitos como uma tentativa de graffiti, embora sem qualquer confirmação de que a intervenção esteja finalizada.

A transformação provocou uma enxurrada de opiniões divergentes. De um lado, há quem defenda a intervenção como uma expressão artística e uma forma de dar vida a um prédio abandonado que, há anos, representa um incômodo na região. Do outro, moradores e juristas apontam que, sem autorização, a ação configura invasão à propriedade privada, vandalismo e ainda oferece riscos à integridade física dos autores, já que a pintura atinge áreas elevadas da construção.

"Não tem autorização, então é invasão e ponto. Além disso, estão se arriscando ali em cima, num prédio que pode não ter estrutura segura", comentou um morador que preferiu não se identificar.

Enquanto o debate segue, informações preliminares e não oficiais indicam que o prédio pode estar com os dias contados. Há rumores de que a estrutura inacabada estaria na mira para uma possível demolição em breve. No entanto, até o momento, nenhum comunicado oficial foi emitido pelos responsáveis ou autoridades competentes. Até porque, a Prefeitura precisa autorizar a demolição de um prédio, mesmo sendo privado.

A arte da passarela da Barra é assinada por um conjunto de artistas e representa a natureza, a vida e os costumes do bairro e da cidade de Balneário Camboriú. Foto - Reprodução/Redes Sociais

Ex-prefeita se manifesta

Esta polêmica ganhou ainda mais força nos últimos dias após a ex-prefeita de Itapema, Nilza Simas, se manifestar publicamente sobre o caso. Conhecida por expressar suas opiniões de forma direta, Nilza compartilhou seu posicionamento nas redes sociais, gerando ampla repercussão entre moradores, páginas locais e perfis de debate da cidade.

Em sua publicação, a ex-prefeita demonstrou indignação com o que chamou de "graffiti" feito nas paredes do prédio, classificando a intervenção como um "absurdo". Para ela, o estilo adotado não condiz com a imagem que Itapema construiu ao longo dos anos. "Essa arte e cultura não representa a cidade, que sempre foi sinônimo de beleza, organização e bom gosto, e não de paredes rabiscadas", declarou Nilza. Ela ainda afirmou que o ato é um "desrespeito com os moradores e investidores" que acreditam no desenvolvimento da cidade.

A manifestação da ex-prefeita foi o estopim para o início de uma série de discussões nas redes sociais. Algumas páginas locais passaram a dar destaque ao tema, impulsionando diferentes pontos de vista sobre o que, para uns, seria apenas vandalismo, mas para outros, uma forma legítima de expressão artística.

Enquanto muitos concordaram com a posição de Nilza, reforçando que a ação configura desordem urbana e poluição visual, outros defenderam o graffiti como arte, diferenciando-o da pichação. Houve quem argumentasse que intervenções desse tipo valorizam a cultura local, trazem vida aos espaços abandonados e podem contar histórias da comunidade.

Uma internauta opinou: "Esses murais ao ar livre, quando bem pensados, deixam a cidade mais bonita, mais humana e até mais segura". Outro usuário comparou a situação com exemplos bem-sucedidos da arte urbana em cidades vizinhas, como os túneis de Balneário Camboriú e a Passarela da Barra, além de murais em Florianópolis que se tornaram cartões-postais.

Por outro lado, críticas mais duras também surgiram. Alguns internautas questionaram se os autores do graffiti teriam coragem de realizar a mesma intervenção nas fachadas de suas próprias casas. "Isso não é arte, é poluição visual", escreveu uma seguidora. Outros os classificaram como "baderneiros" e "vândalos", reforçando a necessidade de respeito ao espaço privado e à lei.

A discussão escancarou um tema que vai além do prédio abandonado: a relação entre arte urbana, espaço público e privado, identidade cultural e o limite entre expressão e desrespeito.

Vídeo - Instagram/@nilzasimas

Graffiti como arte

Vale lembrar que, no Brasil, o graffiti é reconhecido mundialmente como uma forma legítima de arte urbana e possui nomes consagrados que transformaram paisagens cinzentas em verdadeiras galerias a céu aberto. Exemplo disso é Eduardo Kobra, talvez o graffiteiro brasileiro mais famoso. Nascido em São Paulo, Kobra ganhou notoriedade internacional por seus murais coloridos, sempre marcados por rostos históricos e mensagens de paz e diversidade. Entre seus trabalhos mais conhecidos está o mural “Etnias”, feito para os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, considerado um dos maiores graffiti do mundo.

Outro nome de destaque é Os Gêmeos, dupla formada pelos irmãos Gustavo e Otávio Pandolfo, também de São Paulo. Com um estilo único e personagens amarelos que já se tornaram marca registrada, Os Gêmeos conquistaram espaços em museus e murais em diversos países, mas sem abandonar as raízes das ruas brasileiras. Eles começaram a grafitar nos anos 1980 e hoje são referência global em arte urbana contemporânea.

Também merece menção Rimon Guimarães, artista curitibano que já levou sua arte vibrante para mais de 15 países. Suas obras misturam elementos da cultura afro-brasileira com formas geométricas e cores intensas, sempre com um forte caráter social e identitário.

Esses exemplos evidenciam que o graffiti pode, sim, ser uma poderosa ferramenta de transformação urbana, expressão cultural e diálogo social. Porém, até mesmo os grandes nomes da cena artística urbana ressaltam a importância da curadoria, da autorização dos proprietários e do respeito ao espaço urbano para que a arte não se confunda com vandalismo.

O artista Eduardo Kobra, famoso pelas gigantes pinturas urbanas, inaugurou em 2023 um enorme painel no Centro de BH. Foto -Instagram/@kobrastreetart

Entrevista com especialista no tema

Para trazer um olhar mais técnico sobre a polêmica envolvendo as intervenções no prédio abandonado da Rua 220, no bairro Meia Praia, em Itapema, a Rádio Cidade 104.1FM conversou com o artista e educador Lucas Nowalls, responsável pelo projeto cultural Escola Sem Muros, que atua levando arte urbana para as ruas de Itapema e região.

Lucas iniciou a conversa destacando a importância de utilizar as nomenclaturas corretas ao tratar do tema, para que não se cometa o erro de generalizar manifestações culturais distintas. “Na verdade, neste caso em Itapema, não se trata de graffiti, que seria arte, mas sim de um movimento cultural que surgiu nos grandes centros urbanos”, afirmou. Ele explica que, embora muitos associem a pichação apenas ao vandalismo, a prática possui raízes históricas profundas.

“Os primeiros relatos históricos sobre pichação remontam ao Império Romano, quando o povo judeu se rebelava contra a opressão de Roma. Ou seja, em um momento da história, a pichação tinha um viés nobre, de luta social, em defesa de justiça”, contextualizou Lucas.

Atualmente, no entanto, segundo ele, a pichação passou a ser associada à marcação de território, especialmente nos centros urbanos. Ainda assim, Lucas destaca que é possível transformar elementos da pichação em arte, como pode estar acontecendo, gradualmente, com o prédio abandonado de Itapema.

“O que começou como pichação pode apresentar uma pegada mais artística, ao inserir outros elementos nos traços, com o uso de cores, por exemplo”, analisa. No entanto, ele pondera que, para ser aceito pela população em geral, esse tipo de intervenção precisa evoluir dentro de critérios estéticos e conceituais. “A arte urbana, quando feita com intenção, propósito e cuidado, precisa ser agradável aos olhos, pois isso é uma regra da estética.”

Apesar de reconhecer o valor da arte urbana, Lucas Nowalls foi categórico ao afirmar que qualquer intervenção feita sem autorização do poder público, do responsável pela obra ou do proprietário do imóvel é ilegal. Segundo ele, independentemente de se tratar de arte ou não, a ausência de permissão configura crime, e por isso ele não compactua com esse tipo de ação. O idealizador do programa social Escola Sem Muros destaca que há um limite entre expressão artística e respeito às leis. Por outro lado, há quem defenda que a liberdade artística deve prevalecer acima de qualquer autorização formal, o que, nesse caso, se enquadra como vandalismo — termo que tem sido popularizado no meio urbano como “vandal”, mas que, do ponto de vista jurídico, continua sendo um ato criminoso, conforme Lucas.

Lucas reforça que essa é justamente uma das missões do Escola Sem Muros: promover a arte urbana de forma consciente e estruturada. “A nossa identidade buscar fugir do abstrato que possa chocar ou gerar conflito. Nosso objetivo é trazer conteúdo, reflexão e beleza por meio de composições conceituais”, finalizou.

Foto - Instagram/arte_nowalls

Pichação ou Arte?

A polêmica em torno do prédio abandonado em Itapema, continua a dividir opiniões. A grande questão que surge agora é: será que o que está sendo feito ali é pichação ou arte?

No Brasil, a pichação é classificada como crime e está prevista na Lei 9.605/98 (Art. 65.), a Lei dos Crimes Ambientais, sendo considerada uma forma de vandalismo, e podendo resultar em pena de três meses a 1 anos de prisão, além de multa. Já o graffiti, uma manifestação artística legítima, tem ganhado cada vez mais espaço nas grandes cidades, sendo incentivado por diversos projetos e exposições culturais.

"Não constitui crime a prática de graffiti realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional", diz o inciso 2 do mesmo artigo que criminaliza a pichação.

No entanto, o que ocorre no prédio de Itapema ainda não pode ser claramente definido.

Os desenhos que começaram como pichação podem se transformar em algo mais elaborado nos próximos dias, meses ou até anos, dependendo da evolução da intervenção. Por outro lado, eles também podem permanecer como estão até o prédio ser demolido, reformado ou até apagado pelos responsáveis pela obra ou pela edificação. Portanto, a dúvida sobre a real natureza da ação persiste.

O que é certo é que a situação continua a gerar discussões intensas, tanto dentro quanto fora das redes sociais, e o futuro dessa intervenção ainda promete dar muito "pano pra manga".

 

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