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A idolatria moderna e seus devotos perdidos em Copacabana

Numa sociedade órfã de referências, Lady Gaga virou a mãe espiritual de uma geração perdida.

02/05/2025 às 15h02 Atualizada em 02/05/2025 às 15h19
Por: Tiago Francisco
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Fãs de Lady Gaga montaram campana na frente do Copacabana Palace. Foto - Reprodução/Redes Sociais
Fãs de Lady Gaga montaram campana na frente do Copacabana Palace. Foto - Reprodução/Redes Sociais

Depois de 12 anos longe dos palcos brasileiros, a cantora Lady Gaga retorna para um show gratuito na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, neste sábado, 3 de maio. Hospedada no lendário Copacabana Palace, a estrela pop nem sequer pisou no palco ainda, mas já provocou uma verdadeira epidemia de histeria coletiva — ou melhor dizendo, uma regressão em massa à adolescência tardia.

Os autointitulados “Little Monsters” (fãs da pop star) protagonizam uma sequência de cenas que beiram o absurdo clínico. Estamos falando de adultos — sim, adultos — acampando por dias, dormindo no chão, sem banho, sem comida, sem qualquer vestígio de dignidade ou discernimento. Há relatos de pessoas usando fraldas 24 horas por dia para não perder o lugar na fila. E nem sequer há garantia de que Lady Gaga vá aparecer na sacada do hotel. Mas quem se importa com a realidade, quando se vive numa bolha emocional nutrida a base de glitter, idolatria e pura carência?

Alguns estão se endividando — no cartão de crédito, em empréstimos com amigos, no parcelamento sem juros de uma fixação que beira o patológico. Tudo por alguns segundos de proximidade com uma artista que não sabe da existência deles. E não, não estamos falando de adolescentes perdidos em crises hormonais. Estamos falando de marmanjos de barba feita, de mulheres adultas, muitas das quais já passaram por maternidades — ou pior, que tiveram a chance de formar uma nova vida e optaram por descartá-la, para agora seguirem idolatrando uma fantasia enlatada.

Esse tipo de devoção não é mais entretenimento. É sintoma. Sintoma de um mal social profundo. Falta de pai, de mãe, de fé, de Deus, de rumo. Falta de propósito, de amor próprio e de maturidade emocional. São indivíduos que projetam em uma figura midiática todo o afeto que não encontraram — ou não souberam cultivar — na vida real. E isso é trágico, porque o ídolo jamais irá suprir esse vazio. É uma relação fadada à frustração. Eles amam a imagem — mas a imagem não olha de volta. E quando olha, é com desprezo ou indiferença.

Aliás, esse padrão de projeção doentia não é inédito. Foi esse tipo de adoração cega que levou Mark Chapman a assassinar John Lennon, simplesmente porque o ex-beatle não correspondeu à fantasia do fã. A idolatria pode tomar formas ridículas, patéticas e, às vezes, perigosas. E Lady Gaga — sempre sedenta por holofotes — alimenta essa patologia. Uma diva que exige que apaguem as luzes do Aeroporto do Galeão para seu pouso triunfal não é só egocêntrica: é cúmplice dessa megalomania coletiva. E mais ridículo que o pedido, é o fato de alguém ter aceitado realizá-lo. O administrador do aeroporto que autorizou isso talvez esteja em estágio mais avançado da doença do que os próprios fãs.

Não, não estamos aqui falando de amor à música, de paixão por arte ou cultura pop. Isso seria compreensível. O que vemos é gente tratando uma cantora como se fosse uma divindade moderna — ou pior, como se ela pudesse dar sentido a uma vida vazia. E essa substituição simbólica diz muito sobre o estado emocional dessas pessoas. Numa sociedade órfã de referências, Lady Gaga virou a mãe espiritual de uma geração perdida.

Eu, como muitos, também já tive minha fase de fanatismo juvenil. Na adolescência, fui de jaqueta de motoqueiro, sem camisa por baixo e com uma corrente de samambaia no pescoço, achando que era integrante do Guns N’ Roses. Ouvi Iron Maiden, Metallica e até escrevi letras à mão como se fosse poesia sagrada. Mas eu cresci. Fui ao show do Guns N’ Roses quando adulto e, sinceramente? Indiferente. A vida real me ofereceu outras paixões, outras chamas, outras prioridades. Porque maturidade é isso: aprender que ídolos são humanos, e que a vida é maior que uma selfie tremida com a silhueta de um artista ao fundo.

O mais alarmante nisso tudo? É que essas pessoas votam. Sim, elas decidem os rumos do país nas urnas. Pessoas que choram por uma celebridade que nunca saberá seus nomes têm poder de decisão sobre políticas públicas, economia, saúde, educação. É mole?

 

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