Poucos papados foram tão políticos quanto o de Francisco. Jorge Mario Bergoglio assumiu o trono de Pedro como quem assume um campo minado: escândalos de pedofilia, disputas internas na cúria romana, uma Igreja em retração na Europa e em expansão no Sul global. E o fez com uma simplicidade quase revolucionária: abandonou palácios, falou em misericórdia, defendeu refugiados e incomodou os conservadores. Seu pontificado foi menos doutrinal e mais pastoral – e isso, para muitos, já foi revolucionário demais.
Francisco, o primeiro latino-americano a comandar o Vaticano, deixou marcas profundas. Aproximou a Igreja dos pobres, reforçou o papel do Sínodo como espaço de escuta e descentralização, ensaiou aberturas cuidadosas sobre temas sensíveis como a homossexualidade, o papel das mulheres e os divorciados recasados. Mas também enfrentou resistência interna feroz – cardeais que o acusaram de relativizar a fé, críticos que o viram mais político do que teólogo, fiéis que ansiavam por uma Igreja mais rígida e menos dialogante.
Seu legado é, portanto, ambíguo como são os grandes legados. Francisco fez da Igreja uma ponte, mas pontes não agradam a todos – ainda mais quando ligam extremos tão distantes.
Agora, o Vaticano se aproxima de um novo conclave com um cenário imprevisível. A sucessão de Francisco será o teste definitivo de sua influência. Muitos cardeais foram escolhidos por ele – o que em tese favorece a continuidade. Mas o Vaticano é uma engrenagem antiga, onde o conservadorismo estrutural pesa tanto quanto as intenções progressistas de quem ocupa a cadeira de São Pedro.
O próximo papa herdará um mundo ainda mais polarizado, uma Igreja que cresce no Sul e encolhe no Norte, fiéis jovens que pedem inclusão e uma estrutura que ainda resiste a mudar. Será um pontífice mais político? Mais dogmático? Mais pastoral? O risco de retrocesso é real – e talvez por isso a escolha do sucessor de Francisco seja, mais do que nunca, uma escolha sobre o rumo do mundo.
A fumaça branca, quando subir, não dirá apenas quem é o novo papa. Dirá também se o legado de Francisco foi semente ou apenas vento.
Confira ainda meu comentário no JC1ª Edição desta terça-feira (22):
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