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Política Artigo

A “emendocracia” e a deformação da democracia brasileira

A corrosão da ética e da eficiência no uso do orçamento públic

21/01/2025 às 19h52
Por: Prof. Helle Borges
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Imagem - IA/Rádio Cidade 104,1FM
Imagem - IA/Rádio Cidade 104,1FM

A prática de distribuir recursos públicos por meio de emendas parlamentares tornou-se uma das maiores anomalias da democracia brasileira. O que nasceu como um mecanismo legítimo de descentralização do orçamento federal, com o objetivo de atender demandas locais e promover o equilíbrio regional, degenerou em um sistema de barganha política que subverte o interesse público. Chamá-lo de “emendocracia” não é apenas uma crítica, mas um diagnóstico de um modelo que compromete a ética na gestão dos recursos e fragiliza a essência do regime democrático.

No centro desse sistema está o orçamento federal, que deveria ser a espinha dorsal de qualquer governo. Planejado para promover o desenvolvimento nacional, ele foi capturado por interesses políticos que priorizam demandas eleitoreiras em detrimento de projetos estruturais. Em vez de ser um instrumento de progresso coletivo, o orçamento se fragmenta em obras superficiais, como praças e pontes que muitas vezes servem mais para alimentar placas de inauguração do que para atender necessidades reais da população.

A prática se tornou ainda mais preocupante com as chamadas “emendas de relator”, popularmente conhecidas como orçamento secreto. Nesse modelo, bilhões de reais são direcionados sem transparência, sem a identificação clara de quem propôs e sem critérios objetivos de alocação. O resultado é um cenário fértil para corrupção e desvio de recursos, além de uma brutal desigualdade na destinação dos investimentos, favorecendo parlamentares influentes em detrimento de regiões mais carentes de representação.

Por trás dessa lógica está um jogo de poder perverso. Parlamentares detêm hoje uma capacidade de barganha inédita, invertendo a relação histórica entre os poderes. O Executivo, que deveria conduzir o planejamento orçamentário, tornou-se refém de um Congresso que condiciona apoio político à liberação de emendas. O preço dessa chantagem é pago pela sociedade, que vê o orçamento ser utilizado como moeda de troca para sustentar alianças e atender interesses particulares.

A consequência desse modelo é um Estado ineficaz, incapaz de implementar políticas públicas estruturais. Projetos prioritários para a saúde, educação e infraestrutura são deixados de lado, enquanto recursos são pulverizados em ações que pouco ou nada contribuem para o desenvolvimento nacional. Em vez de combater as desigualdades regionais, a emendocracia as aprofunda, criando uma nação dividida entre os que têm influência política e os que ficam à margem do sistema.

É preciso dizer claramente: a emendocracia não é apenas uma falha técnica ou administrativa. Ela é uma deformação moral e política que compromete o futuro do país. Ao permitir que interesses pessoais ou de pequenos grupos se sobreponham ao bem comum, o Brasil se afasta dos princípios básicos de uma democracia saudável.

Superar esse modelo exige coragem política e pressão social. Não bastam medidas paliativas ou promessas de maior transparência. É necessário reconfigurar o sistema de emendas, eliminando práticas obscuras e fortalecendo o planejamento estratégico do orçamento. Além disso, a sociedade precisa ser mais vigilante, cobrando não apenas a correta aplicação dos recursos, mas também a responsabilização de quem utiliza o orçamento público para fins privados.

Enquanto a emendocracia persistir, o Brasil continuará refém de um sistema político que enriquece poucos e empobrece muitos. Não é apenas o dinheiro público que está sendo desviado; é a esperança de um país mais justo, eficiente e democrático. E, enquanto os líderes fecharem os olhos para isso, a democracia continuará a definhar sob o peso das emendas.

 

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