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Anistia no Brasil: um ciclo vicioso de impunidade que precisa acabar

Perdão irrestrito aos culpados perpetua ataques às instituições democráticas.

20/11/2024 às 09h23 Atualizada em 20/11/2024 às 09h42
Por: Prof. Helle Borges
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Manifestantes pedindo anistia durante a ditadura militar no Brasil. Foto - Reprodução
Manifestantes pedindo anistia durante a ditadura militar no Brasil. Foto - Reprodução

O Brasil parece ter uma relação quase patológica com a ideia de anistia. Desde a Lei da Anistia de 1979, que colocou no mesmo patamar torturadores do regime militar e opositores políticos, até as discussões recentes sobre perdão aos envolvidos em ataques antidemocráticos, anistiar tornou-se um sinônimo perigoso de esquecer e normalizar crimes contra o Estado e os cidadãos. Os acontecimentos de hoje, com a descoberta de um plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes, escancaram ainda mais a gravidade do problema.

As investigações da Polícia Federal revelaram um esquema que não só mirava as maiores autoridades do país, mas também tinha como objetivo desestabilizar a democracia e instaurar o caos. Esse plano, batizado de “Punhal Verde e Amarelo”, envolvia armamentos de guerra e uma articulação que incluía militares e policiais. Trata-se de uma tentativa de golpe que, em qualquer nação democrática séria, seria tratada com a máxima severidade. No entanto, no Brasil, há sempre o temor de que, após o clamor inicial, surjam propostas de anistia disfarçadas de “reconciliação nacional” ou “superação de crises”.

Os eventos de janeiro de 2023 são outro exemplo alarmante. Naquele dia, milhares de pessoas invadiram e depredaram os três pilares da democracia brasileira: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal. Alimentados por uma narrativa golpista que se recusava a aceitar o resultado das eleições de 2022, os manifestantes vandalizaram símbolos do poder democrático, roubaram documentos, destruíram patrimônio público e ameaçaram servidores. Entre os envolvidos estavam não apenas cidadãos comuns, mas também lideranças políticas e financiadores que atuaram nos bastidores, organizando caravanas e incentivando os atos por meio de redes sociais.

Apesar da gravidade dos ataques, que configuram um dos momentos mais sombrios da história recente, ainda há quem defenda a anistia para os responsáveis. Essas propostas, geralmente apresentadas como tentativas de pacificar o país, ignoram o impacto devastador da impunidade. Permitir que aqueles que atentaram contra o Estado de Direito escapem sem punição adequada seria abrir um precedente perigoso e praticamente convidar novos atos semelhantes no futuro. O perdão irrestrito, nesse caso, não é apenas uma afronta à justiça, mas também um insulto à memória de todos que lutaram para que o Brasil fosse uma democracia.

A recorrência dessas tentativas de golpe e ações antidemocráticas no Brasil não é acidental. É fruto direto de uma cultura histórica de impunidade, perpetuada por anistias que passam a mão na cabeça de criminosos políticos. A Lei da Anistia de 1979 é o exemplo mais emblemático: ao perdoar os crimes da ditadura militar, o Brasil enviou uma mensagem clara de que agentes do Estado podem torturar, matar e desaparecer com pessoas sem temer punições. Décadas depois, essa mensagem ainda ecoa. A mesma lógica parece tentar justificar, agora, concessões para aqueles que desafiaram a democracia em 2023 e, como vimos hoje, planejavam atos ainda mais graves.

É preciso refletir: qual é o custo de perdoar? Ao discutir anistia para golpistas e conspiradores, estamos fortalecendo a percepção de que o Estado de Direito no Brasil é frágil e maleável. Estamos dizendo que não há consequências para aqueles que atacam nossas instituições. As descobertas da Polícia Federal mostram o que está em jogo: vidas humanas, a estabilidade da República e a própria sobrevivência da democracia.

Não há reconciliação sem verdade. Não há paz sem justiça. Uma sociedade que constantemente recorre à anistia para resolver seus problemas perde a oportunidade de aprender com seus erros e se fortalecer. Pior: envia a mensagem de que golpistas e criminosos políticos podem continuar desafiando as instituições sem consequências reais. Esse ciclo de perdão e esquecimento mantém o Brasil preso em crises recorrentes, sem jamais consolidar um sistema político verdadeiramente democrático e justo.

Se queremos construir um país onde o respeito às leis seja a norma, precisamos acabar com a cultura da anistia. Os responsáveis por crimes, sejam contra os direitos humanos, a democracia ou o Estado, devem ser punidos com rigor. A descoberta do plano de assassinato das maiores lideranças políticas do país é mais uma prova de que a impunidade só alimenta o extremismo e o golpismo.

A anistia não é um ato de generosidade. No Brasil, tem sido um ato de negligência. E, diante do que foi revelado hoje, é mais urgente do que nunca quebrar esse ciclo antes que seja tarde demais.

 

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